Serafim

Não vim mostrar o belo. Na mais pura verdade, irei mostrar o que a existência pode causar em um ser.
Não irei ser sutil. Nem ao menos gentil. Polida, sim... Cortês com meu alimento.
O divertimento de um anjo caído não é só revirar suas dores.
É mostrar ao próximo que pode existir algo pior que a miséria.

Havia dias buscava algo que me entretesse, mas nada me convinha.
Andei pelos bairros mais violentos em horas mais soturnas e nada me aconteceu.
Nem um tiro, nem uma facada ou tentativa de estupro.
Então fui mais fundo nos becos e vielas dessa cidade imunda quando me deparei com um ser que eu pensava que não existia. Mas se cá estou eu, e existo... Pois não poderia como uma outra existência pior que a minha aparecer?
Caminhei sorrindo, passos de modelo, catando penas grudadas com um sangue de textura e gosto que eu jamais tinha visto antes.
Então vi... a parede manchada de sangue. mãos e mais mãos. obviamente uma tentativa frustrada de se limpar.
-Mas que disperdício! poderia eu te ajudar? creio que ambas as partes ficariam satisfeitas.
-Limpar? -o sussurro ia destilando pelo ar, como um sopro de furacão, uma reação tão funesta que Yue quase sentiu o terror daquele ser.- Não posso ser ajudado. Nada pode desfazer o que eu cometi.
Yue se agachou e pousou a mão naquele pobre rosto. Era estranhamente diferente do que pensava que seria um anjo caído. Não tinha cabelos, mas o rosto era de uma inocência quase animalesca, os olhos lembravam fácil os de uma foca.
-Tu me provém deste sangue que te é inútil. eu te limpo, te visto e te faço cidadão.
Começou a rir. Yue sempre fora assim, a desgraça tanto sua quanto a alheia divertia-a, na sua infeliz condição.
-Seu sorriso é tão falso. Eu sinto sua situação. Se pode me ver, já deduzi que não pertence a este mundo. ou melhor... pertence e ao mesmo tempo não pertence. Interessante. O que és? Serpente de outrora soberana das profundezas, uma vez mortal torna-se imortal por querer. É a Loucura. Tu és a Loucura.
-Bem sabes que nem os deuses são imortais. É como se tivesse perdido parte da memória. Embora exista o mais forte, a cadeia alimentar não tem fim. O mundo também é assim... Todos os mundos. há sempre um acima do outro. E agora, tu, nesta condição deplorável obversa o meu poder. Vê que sou a Loucura, hã? certo. Estou nisto porque eu quero. Vejo que pode sentir os níveis de poder. Um dia foste do mais alto Coro? Hmm... Qual seu nome?

...

Obra incompleta.

Nona.

Estava escuro demais para enxergar naquele beco e aquela mulher estava aflita demais para pensar em algo. Ela só queria seguir em frente. E ia. Descalça, as pedras machucavam seu pé, mas ela não ligava, continuava a correr na escuridão. Seu vestido vermelho de alças finas tendia a cair e seus seios fartos agora estavam sempre a mostra, recebendo o vento frio que parecia vir sobrenaturalmente de todos os lados. "Estou encurralada. Vou morrer hoje. Deus, me ajude."
Do outro lado, Yue observava sua vitima. Se divertia fazendo analogias "Sou uma serpente pronta para dar um bote em uma frágil e indefesa vítima"
Aquela noite já tinha sido cheia. Aquela era a nona. ela riu, pensando "O nove deve ser meu numero da sorte. Ou não."

4 Horas antes...

Estava agachada perto de um portão de uma mansão, com um pequeno punhal com letras e símbolos antigos "Ninguém hoje saberia o que significam. É como se o poder antes liberto estivesse oculto agora. Ocultismo não é ciência antiga, é nova."
Cravando o número 8 no peito de um corpo já azulado pelo frio, sem mãos, sem pés, com a garganta dilacerada, Ela fazia seu trabalho como um doutor faz uma cirurgia. O corpo já não tinha uma gota de sangue e ela tinha queimado as extremidades do corpo em Fogo Fátuo.
"Noite boa. Hoje é um daqueles dias em que podemos sorrir."
Levantando-se depois de terminada a "operação", Ela sopra em cima daquele cadáver. "Está endereçado a alguém que estimo muito. Servirá como um ótimo espécime de humano. A peça Era rica, mimada, com ares de superioridade... E infelizmente era ateu. Enfim... Este vai encontrar o verdadeiro desespero agora."
-Congele até se extinguir na dor. {Ego glacialis tamen quoque si extinguish in poena}
A conjuração fez com que o corpo se deteriorasse por inteiro, embora tenha demorado umas 2horas para isso...
Ela esteve sentada de frente para o corpo todo este tempo, apreciando aquele desaparecimento que para ela levava uma eternidade "preciso treinar" ela pensava isso enquanto cantarolava uma música do HIM chamada Killing Loneliness:
"...With the venomous kiss you gave meI'm killing loneliness..."


[...]


O corpo já tinha desaparecido, mas ela continuava lá, sentada de frente ao portão daquela casa enorme, e pensava que se ela quisesse ser rica, ela seria, mas o dinheiro faz mal. "Eu já sou bastante pretenciosa e egoísta. Se eu enrriqueçer, vou virar uma psicopata, não é?"
Rindo de sua ironia de gente que não sabe ironizar, ela levantou e deu as costas à aquele lugar.
"Enfim, quitei meu débito com aquele maluco. Um Nosferatus sempre me dá arrepios, aquela criatura é a mais triste das tristezas concebidas pelo pensamento. Fora 8 trabalhos dos mais complicados em troca de minha existência. Nunca pensei que eles negociassem. Idiota, o que ele pensa em fazer com essa coleção tão exentrica de coisas?"
Ela já tinha feito coisas bem piores, e os "trabalhos" que o tal Nosferatus deu a ela eram quase inconcebíveis, tal era a maldade impregnada nos atos, embora alguns deles consentiam apenas em pegar certos artefatos históricos, juntar um determinado número de virgens de cabelos negros e outras coisas que nem ela gostava de lembrar.
"O que um rato vai fazer com estas coisas? Ele não é um de nós... Só deve ser um tipo de menosprezo por parte dele, alguma punição de forma intelectual, embora ache difícil demais isso acontecer. Afinal eles são o lixo de nossa raça."

Virando na esquina ela se depara com uma bela mulher. Seus olhos cintilam quando ela passa e lhe retribui o olhar.
-Para onde vai tão bela mulher numa hora tão nefasta?
-Vou a mansão do senhor C., Ele espera por meus serviços.
"Uma puta. Só era o que me faltava..."
-Acho que não vai encontrar mais com o senhor C. esta noite, querida.
A voz de Yue ela aveludada, de modo a passar um misto de terror e tranquilidade
A mulher em sua frente, Aghata Dove, era mais alta que Yue, tinha olhos cor de âmbar e o cabelo num tom exótico de castanho acinzentado. Só de olhar não dava pra se saber a naturalidade dela, o que deixava Yue intrigada, já que ela conhecia muitos países, de todos os continentes.
-Como disse, senhora?
-Disse que de certo que não verá o senhor C. Ele acaba de sair as pressas para um voo as ilhas. é uma conferência importante, a senhorita...
-Dove. Agata Dove.
-Sim, a senhorita Dove deveria ter ficado sabendo disto. Eu estava ali no Bell's* e vi a agitação.
Deve fazer umas 3 horas agora. A propósito, meu nome é Shimizu Yue.
-Prazer em conhecê-la. Interessante. A senhorita não parece ser oriental...
-Não sou. Mas este é meu nome.
A voz aveludada tornou-se ispida. Aghata não entendia o porque do constrangimento, porém pouco importava. Aquela mulher na sua frante a fascinava, ela era quase um anjo de tão linda, ela pensava enquanto tentava desesperadamente continuar a conversa.
-Eu ia vê-lo, sou sobrinha dele, e meu pai mandou trazer um pacote para dar somente em mãos.
-Oh... eu lamento.
Yue percebeu o interesse de Aghata em continuar uma conversa que já deveria ter acabado. Aquele sangue quente e jovem seria dela. Já estava impregnada pelo perfume amadeirado dela. "Tem que ser perfeita esta noite. Me livrei de um assassino nato, digo, Nosferatu... Agora recebo uma linda senhorita. Deus é bom e justo. e ela parece simpatizar comigo. hum... pelo menos, por enquanto. Quero diversão."
-Senhorita Dove... Posso te dar um belo sonho esta noite?
-Como?
-Um belo sonho senhorita. Um belo e longo sonho. Ou um pesadelo. Isso dependerá somente de sua resposta... Espero que deseje sonhar.
Então começou a cantar de novo aquela música:
"...We disappear in the lie forever and denounce the power of death over our souls and secret words are said to start a war..."


[...]


Continua.


*Um pub muito frequentado daquela região pelas classes mais altas.